domingo, 30 de maio de 2010

O que é o Nós na Cidade e qual sua importância?

Essa parte do Trabalho de Conclusão de Curso contém depoimentos dos Integrantes do Grupo de Teatro Licenciatura 2004, onde eles refletem sobre o processo metodológico de contrução do "Nós na Cidade"

Foi “juntando pedaços de nossos eus”, das histórias das pessoas, das histórias da cidade, dos ensinamentos de vários mestres, inclusive Paulo Freire, que construímos o nosso espetáculo. Criando cenas a partir de improvisações, partituras corporais, inventávamos a cidade e a educação que desejamos e nos mostrávamos ao público, nos desnudando em um processo de auto-conhecimento e de busca de um conhecimento coletivo. Os integrantes do grupo a partir dos depoimentos destacam o que foi o espetáculo Nós na Cidade, para eles nesse processo de auto-conhecimento:
O Nós na cidade foi a materialização dessa metodologia. Claro que é um terreno bem arriscado de educação. Mas a educação que não pretende correr riscos não faz nada mais que entregar ao mundo uma mão de obra alienada para deleite dos que estão no poder. Quando eu digo que é um método arriscado de educação é porque esse tipo de metodologia propõe um desnudamento das pessoas envolvidas. E esse desnudamento é trazido ao palco em forma de espetacularização. O caminho percorrido por “Nós na cidade” pretendia a busca profunda de um auto-conhecimento. “Quem sou eu?” era a pergunta- chave. E isso se torna arriscado porque pra algumas pessoas é muito difícil esse processo de busca de si mesmo. Mas se isso é difícil, se torna muito gratificante quando conseguimos. (Francisco André Sousa Lima)

O Nós na Cidade foi a nossa porta de entrada na UFBA e dou o credito ao processo de construção deste espetáculo toda a forma como se seguiu a nossa graduação. (...) Ele nos marcou e nos acompanhará por muito tempo. Nos marcou desta forma, acredito, por conta do trabalho do quem sou eu? Que gerou a formação do nosso grupo. (...) É um espetáculo amplo e rico em informações. Tem Paulo Freire, tem poesias, tem Iyá Nassô, tem cada um de nós, tem o meu tamanho que é maior que o tamanho de minha altura, tem muitas cidades juntas, tem reconvexo, tem, tem e tem. (Bira Azevedo)

Momentos individuais e construções coletivas foram agrupadas. Nossas histórias, sonhos, conceitos e preconceitos, nossas diferenças. (...) Nós na Cidade foi a prova de que uma metodologia baseada em jogos e improvisações, se bem direcionada, traz resultados(...). (Jandiara Barreto)

Um teatro onde o cenário era desenhado por nossas palavras, construído com o nosso corpo e imaginado por quem nos assistia. Um teatro fora dos padrões do teatro convencional, feito em palco Italiano, mais próximo do teatro de rua e da performance, caracterizado por uma arrumação/desarrumação do espaço da cena, provocando uma multiplicidade e simultaneidade de forma e de olhares. Sobre essa característica do espetáculo trazemos também as opiniões dos integrantes do grupo, que destacam o próprio crescimento, e o crescimento do espetáculo e também o aprendizado do público, que pode recriar o espetáculo a partir da sua visão de mundo:

Foi prazeroso e refletia bem o que tratávamos: Diversidade. Em cada lugar um público diferente, um olhar diferente, um jeito de fazer diferente. Se adaptar ao local, as pessoas e a causa do momento só enriqueciam o processo. (Daiane Gama)

A sensação de teatro itinerante mostrou-me a importância de cada lugar, públicos distintos e energias diversas. São aprendizados para quem faz, para o resultado cênico, consequentemente e para o público. (Jandiara Barreto)

Me trouxe ainda outras possibilidades de estética para um espetáculo teatral. Tava acostumado com o teatrão realista de sempre. Nós na Cidade ultrapassa isto. (...) (Bira Azevedo)

(...) uma coisa que ficou latente em mim depois do Nós na Cidade foi o provérbio de domínio publico “o artista deve ir onde o povo está”. (...) Muitos de nós estão presos ao palco elisabetano destituindo o valor artístico de qualquer outra linguagem que não esteja preso a essa estrutura. Como não considerar arte (ou atribuir uma menor valia) ao teatro feito nas feiras, nos bairros de periferia, ou os feitos com propósitos educativos? (Francisco André Sousa Lima)

O espetáculo tinha um caráter didático e para a professora isso era tão importante para nós alunos/atores como para o público que nos enxergava também como aprendizes que éramos daquele processo. Na opinião de Camila Bonifácio integrante do grupo, não só foi aprendizado, foram muitos aprendizados em um processo descobridor:
(...) O espetáculo foi o ápice de um processo descobridor. Aprendizado? Foram muitos, aprendi o que fazer e o que não fazer e isso é bom, mas deste todos destacarei uma frase do texto dramático que para mim até hoje é uma provocação para a vida: “... SALVADOR com quem eu caso? Com SALVAR ou com a DOR?”. Acredito que cabe a cada um de nós, homens e mulheres, em nossas vidas escolher uma das duas opções. Apesar da DOR eu prefiro SALVAR! (Camila Bonifácio).

Um espetáculo de imagens onde a moldura era dada pelos atores, autores dos textos em que os sentidos eram expressos pelo corpo, pela palavra, por sentimentos e sensações, assim como destaca em depoimento uma das integrantes:
“Nós na cidade” foi certeza de que a cidade é formada não só da parte física geográfica, mas também e principalmente, de uma história que esta impregnada nas nossas falas, no nosso corpo, nos nossos pensamentos e sentimentos. Mas que precisa ser desvelada a muitos (Eliana Andrade).


Estávamos buscando uma espécie de cidadania crítica, onde nos retratávamos como cidadãos, artistas e educadores e reafirmávamos a forma de ser da cidade de Salvador, com sua capacidade de juntar coisas diferentes, segundo a professora Maria Eugênia Milet “uma forma Barroca” (2002, p. 22) e como disse em seu depoimento Gessé Araújo, integrante do grupo, o espetáculo era uma busca constante também de natureza estética:
Mais do que um espetáculo feito com a linguagem da rua, uma busca por uma estética de natureza política, como já disse. Nós na Cidade é um "jeito" de dizer, de fazer, até mesmo no tema que abordamos, que demonstra essa busca de natureza estética (Gessé Araújo).


O processo criativo tinha uma dinâmica própria, com sons, ritmos, palavras, músicas, perguntas, mostrando uma complexidade que apresentava um teatro em movimento, em constante mudança.
As formas cênicas emergidas dos nossos corpos em transformação traziam à tona a nossa realidade de vida, para conhecendo-a, transforma-la. Com isso nos revelando sujeitos da nossa história.


Uma Bahia negra e de resistência aflorava no gestual, nas falas e nas músicas, expressando um espírito místico e satírico dos alunos/atores, como podemos perceber na música Cidade In-festa criada como forma de crítica ao carnaval e as festas que hoje apenas são feitas para os turistas e que deveria ser feita para o povo:

Cidade festa que infesta na lavagem,
Na lavagem cerebral, na lavagem do Bonfim.
Cidade presta na farsa do carnaval
Carnaval que é de poucos
Nem do povo nem de mim.


Trazíamos à tona temas mais freqüentes, como racismo, violência, sensualidade, desigualdade, resistência, religiosidades, carnaval, futebol. Falávamos das crianças (que habitava em nós), do candomblé, das ruas da cidade, das suas ladeiras, dos seus loucos e doentes, como podemos perceber claramente no depoimento de Francisco um dos integrantes do grupo, que ressalta também a criação do espetáculo e seu diálogo constante com a cidade, com sua história, com a história do candomblé e de Iyá Nassô:
Com o “Nós na cidade” demonstramos a importância de um teatro feito para e pela cidade. Um teatro que serve de espelho para uma sociedade que faz questão de maquiar os seus problemas pra não espantar os turistas ou prejudicar os objetivos econômicos (...)

Foi importante principalmente pelo diálogo que realizamos com a cidade (...) Foi importante pelo contato empírico que tivemos com uma realidade que nos será companheira por toda a vida pós-acadêmica. O espetáculo foi a intersecção entre ensino, pesquisa e extensão a tríade essencial que se pretende a nossa universidade.

Mais ainda: o espetáculo se tornou importante por defender a causa de “Iyá Nassô”, uma princesa africana escravizada no Brasil que contribuiu decisivamente para a criação do Candomblé, expressão maior da resistência negra no cenário inóspito que foi a escravidão colonial. (Francisco André de Sousa Lima)

Esses signos traduziam nossas buscas poéticas, que eram potencializadas através das aprendizagens em grupo a partir de nossas experiências com a cidade, criando formas e sentidos, trazendo a pessoa do ator que se transformava enquanto dava forma, através da sua presença, aproximando-se cada vez mais da realidade humana, de personagens e situações que representava, ou seja, da própria realidade, contando uma história nossa.

Nesse sentido nos inserimos criticamente na realidade para transformá-la, pensamos e agimos criticamente como cidadãos e futuros professores.

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